quinta-feira, 10 de maio de 2012

Rosicléia Campos: técnica que mudou o judô feminino

Pela primeira vez, delegação nacional terá representantes nas sete categorias da modalidade na Olimpíada


Amanda Romanelli 
Agência Estado




Lucio Mattos/CBJ/Divulgação 
Rafaela Silva é uma das apostas de Rosicléia Campos (direita) para Jogos Olímpicos
São Paulo - Rosicléia Cardoso Campos gosta de ippon. Isso desde os 11 anos, quando começou a cabular as aulas de catecismo para ver os meninos lutando judô, e também a partir de 2006, para enfrentar as críticas de que uma mulher - e uma mulher jovem -, não seria capaz de comandar a seleção feminina de judô. Mas a carioca de 42 anos tem provado que a busca pelo golpe perfeito não foi em vão. 

Presença marcante nos combates mundo afora, seja pelos gritos durante as lutas ou pela festa que faz na área reservada aos técnicos, Rosicléia assume o apelido dado por Ney Wilson, coordenador das seleções brasileiras: é ''judô feminino futebol clube''. 

É ela a comandante da equipe que conseguiu a melhor campanha pré-Olimpíada da história do judô feminino brasileiro - a convocação oficial ocorreu na última semana. Pela primeira vez, o Brasil classificou atletas nas sete categorias, feito igualado apenas por Japão, França e Coreia do Sul. Mas não é só isso. ''Tenho seis cabeças de chave - uma é líder do ranking mundial, uma é segunda colocada, duas são terceiras, uma é sétima e outra, oitava. Estou muito orgulhosa'', afirma a técnica. 

O orgulho é de quem conseguiu, com persistência e dedicação, enfrentar as condições adversas e, à frente da seleção, obter feitos inéditos. Rosicléia enfrentou o preconceito dentro do próprio judô. ''Quando fui para a equipe sênior, os professores de judô, homens, argumentavam por que eu tinha sido escolhida. Achavam que tinham o direito de se oferecer. Mas quando o judô feminino mudou de cara, eu estava ali. Meu sonho era ver essa equipe forte, respeitada'', conta. 

Nos últimos seis anos, o Brasil conquistou a primeira medalha olímpica (o bronze de Ketleyn Quadros, em Pequim), a primeira final em Mundial (com Mayra Aguiar, prata no Japão em 2010) e o primeiro ouro em Grand Slam (com Érika Miranda, no ano passado). No Mundial de Paris, em 2011, as brasileiras chegaram como favoritas e levaram mais medalhas que os homens: 3 a 2. 

Conquistas inimagináveis para a Rosicléia dos tempos de judoca. Como atleta, ela participou dos Jogos de Barcelona, em 1992, na estreia do judô feminino como modalidade olímpica. Também foi a Atlanta, quatro anos depois. ''Na minha primeira Olimpíada, eu não viajava, ficava em alojamento, não tinha ideia de quem eram as minhas adversárias. Hoje, nossas atletas botaram a mão no quimono de 100% das rivais que vão encontrar em Londres'', afirma. Uma revolução perto daquilo que a seleção feminina era considerada há menos de dez anos: um apêndice do time masculino. 

Sem planejamento próprio, as mulheres seguiam o cronograma dos homens. Se havia a possibilidade de uma viagem independente, as condições eram piores. E foi em uma dessas excursões em 2006 - com elas no Equador e eles, na Europa -, que a mudança começou. 

''Mandaram a gente para 20 dias em Cuenca, no perrengue. Mas o perrengue foi bom para caramba, uniu muito a equipe. Ali foi o divisor de águas'', lembra Rosicléia. ''Elas reclamavam muito e um dia eu coloquei todo mundo no quarto e falei: 'Acabou, não adianta reclamar. Enquanto a gente não ganhar, não vamos ter espaço''', completa. Foi o ultimato da técnica, então com 37 anos. 

O resultado veio um ano depois, no Pan do Rio. A lembrança de 2007 ainda leva Rosicléia às lágrimas. ''Aquilo marcou a minha vida'', admite. As mulheres superaram os homens, com 100% de pódios: duas de ouro, quatro de prata e uma de bronze. ''A gente sofreu junto, amadureceu junto. Foi muito emocionante.'' 

Hoje, as condições são idênticas para as seleções - as cobranças, também. Com um detalhe: a 82 dias da Olimpíada de Londres, a técnica afirma que sua missão está ''semicumprida''. Agora, é a medalha de ouro que Rosicléia quer dar às mulheres.